O Amor que ficou: Uma jornada de Mãe

Eu não sei exatamente quando comecei a perceber que a vida seguia como um trem desgovernado, mas acho que foi no momento em que fiquei sozinha com as crianças. Sozinha de verdade. Não o tipo de solidão que se sente em um quarto cheio de pessoas, mas o tipo que grita no silêncio da madrugada, quando tudo está quieto e você percebe que ninguém mais vai abrir a porta para ajudar.

Quando João me deixou, ele não fez escândalo. Não houve brigas ou palavras amargas jogadas como pedras. Apenas um bilhete deixado na mesa da cozinha, ao lado do resto de café frio. “Não consigo mais. Desculpe.” Quatro palavras que explodiram minha vida em mil pedaços. Até hoje, me pergunto se ele sabia o quanto aquela frase significava. Desculpe? Desculpe pelo quê? Pelos anos que prometemos passar juntos? Por abandonar os filhos que sempre pediram pela atenção dele? Pelas contas que ele sabia que eu não conseguiria pagar sozinha?

Luís, o mais velho, tinha oito anos na época. Ele é perspicaz, muito mais do que uma criança deveria ser. Quando perguntei se queria que eu o levasse para a escola naquele dia, ele simplesmente balbuciou: “Mamãe, papai foi embora?”. Aquela pergunta foi como um soco no estômago. Eu menti. Disse que ele precisava de um tempo para resolver algumas coisas, mas que voltaria. Às vezes, ainda me pergunto se deveria ter contado a verdade logo de cara.

Helena tinha quatro anos. Para ela, a ausência de João era um conceito nebuloso, algo que não podia ser compreendido de imediato. Mas as perguntas vieram, implacáveis, quando a cadeira dele permaneceu vazia na mesa do jantar. “Por que o papai não vem comer com a gente, mamãe?” Eu me forçava a sorrir enquanto lavava a louça, rezando para que as lágrimas não caíssem no prato que eu segurava.

Os primeiros meses foram os mais difíceis. O dinheiro não era suficiente, e o aluguel atrasado tornou-se um fantasma que pairava sobre nossa casa. Eu trabalhava como auxiliar administrativa em uma pequena empresa, um trabalho que mal pagava as contas antes, mas que agora parecia uma piada cruel. No final do expediente, muitas vezes levava papelada para casa, porque meu chefe dizia que eu não estava “entregando o suficiente”. Ele, claro, não sabia ou não se importava que eu passava as noites ajudando Luís com os deveres de casa enquanto embalava Helena para dormir com histórias inventadas.

Às vezes, eu me perguntava como não enlouqueci. Havia dias em que parecia que tudo iria desmoronar. Como na vez em que Helena ficou doente e tive que escolher entre comprar os remédios dela ou pagar a conta de luz. Fiquei sentada no chão da cozinha, com a fatura na mão, enquanto Helena dormia febril no meu colo. Escolhi os remédios, claro, e passamos uma semana iluminados por velas. Luís fingia que era uma aventura, mas eu sabia que ele entendia mais do que dizia.

Havia momentos de doçura também. Como quando Luís tentou fazer café da manhã para mim no meu aniversário. Ele queimou as torradas e derramou suco pela mesa toda, mas eu não me importei. Ou quando Helena me abraçava do nada e dizia que me amava. Essas pequenas coisas eram os tijolos que eu usava para reconstruir minha vida, mesmo que parecessem insignificantes para o resto do mundo.

Com o tempo, aprendi a pedir ajuda. Isso foi um golpe para o meu orgulho, mas também foi libertador. Minha vizinha, Dona Marta, passou a cuidar das crianças por algumas horas quando eu conseguia um bico nos fins de semana. Minha mãe, com quem eu não tinha muito contato antes, começou a aparecer mais. Apesar das críticas sutis sobre como eu deveria ter escolhido um marido melhor, ela ajudava como podia, trazendo comida ou pegando as crianças na escola.

João nunca mais deu notícias. Às vezes, eu me perguntava onde ele estava, o que fazia, se pensava em nós. Outras vezes, eu me pegava sentindo raiva de mim mesma por ainda me importar. A verdade é que a ausência dele deixou um buraco em mim, mas não pelo homem que ele era, e sim pela promessa do que ele deveria ter sido. Um marido. Um pai. Um parceiro.

Os anos passaram, e as coisas começaram a melhorar. Consegui uma promoção no trabalho, o que significou um aumento pequeno, mas significativo. Luís e Helena cresceram e se tornaram incríveis. Luís sempre foi protetor com a irmã, quase como se quisesse compensar a ausência do pai. Helena, por outro lado, era uma tempestade de energia e emoções, sempre pronta para enfrentar o mundo.

Houve um momento, anos depois, que me marcou profundamente. Luís estava se formando no ensino médio, e eu não podia estar mais orgulhosa. Ele era alto, confiante, e tinha aquele sorriso que iluminava qualquer ambiente. Durante a cerimônia, ele fez um discurso como representante da turma. No meio do discurso, ele olhou para mim na plateia e disse: “Se sou alguma coisa hoje, é por causa da minha mãe. Ela me ensinou o que significa nunca desistir, mesmo quando o mundo parece estar contra você. Obrigado, mãe, por tudo.”

Eu chorei. Chorei como não chorava havia anos. Porque, naquele momento, percebi que todo o sofrimento, todo o esforço, toda a dor tinham valido a pena. Eu tinha conseguido. Nós tínhamos conseguido.

Hoje, quando olho para trás, não vejo apenas as dificuldades. Vejo a força que descobri em mim mesma, a coragem de seguir em frente quando parecia impossível, o amor que mantém minha família unida. João pode ter ido embora, mas eu fiquei. E isso fez toda a diferença.

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